O Consórcio Lei Maria da Penha se solidariza com todas as mulheres vítimas no caso de João de Deus, externa apoio a elas e todas as mulheres que sofrem violência baseada no gênero e especialmente a aquelas que ainda não encontraram a força necessária para romper o silêncio e buscar ajuda.
Falar da violência sexual é um ato de coragem e tem representado um movimento que ganhou força na sociedade brasileira a partir da ação dos movimentos de mulheres e feministas e respaldado na Lei Maria da Penha que, desde 2006, tem contribuído para que as mulheres tenham mais consciência de seus direitos e das violências que sofrem cotidianamente. A conscientização alcança também a sociedade que questiona a cultura de tolerância à violência de gênero contra as mulheres e demanda respostas dos governos e das instituições da justiça.
A violência sexual é uma expressão extrema da desigualdade de poder com base no gênero. Afeta o corpo e a intimidade das mulheres. O estupro marca até hoje o corpo e ancestralidades das mulheres negras e indígenas que tiveram seus corpos violados pelo Estado e o poder patriarcal dos senhores homens brancos durante o Brasil Colônia.
No ano em que comemoramos os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cerca de 40 anos de organização das mulheres, 30 anos da Constituição Federal de 1988, 30 anos de organização das mulheres negras e 25 anos da Declaração pela Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres (Declaração de Viena, 1993), o Estado Brasileiro e suas instituições não podem se furtar em investigar, processar e julgar as denúncias de violências sexuais já realizadas pelas mulheres vítimas de João de Deus.
É preciso que as instituições e governos também tenham consciência da gravidade desses atos e cumpram o princípio da devida diligência. É fato que o lar continua sendo o lugar mais perigoso para meninas e mulheres, mas a desigualdade de gênero, juntamente com as desigualdades de raça e classe, é estruturante da sociedade brasileira e coloca as mulheres em lugares de subalternidade e silenciamento, mesmo quando mais de 500 vozes se unem para dizer das humilhações que sofreram nas mãos de um homem em quem confiaram suas vidas, sua fé, sua esperança.
A responsabilização criminal mediante processo célere e justo é uma exigência em face dos compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro ao assinar e ratificar a Convenção de Belém do Pará e a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres -CEDAW. Cada denúncia deverá ser investigada, processada e julgada com base nos fatos e evidências, de forma não estigmatizante, sem revitimizar e silenciar as mulheres perante o sistema de justiça. Entretanto, coadunamos com o entendimento de que a punição não é resposta suficiente e única para o enfrentamento à violência contra as mulheres.
A reparação do direito para as vítimas deve também ser perseguida. Cumpre às instituições do Estado prover o reconhecimento de suas falas e apoiá-las no restabelecimento de sua dignidade. Independentemente de ter havido ou não a prescrição dos crimes de violência sexual (estupro, estupro de vulnerável, posse sexual mediante fraude etc.), a violência vivida deixa sequelas que não podem ser apagadas, esquecidas nem banalizadas. É urgente que as instituições garantam às mulheres o acompanhamento jurídico em todas as fases, desde a policial até a judicial, e garantam o reconhecimento dos efeitos dessa violência na sua saúde física e mental e assegurem acesso amplo e gratuito ao atendimento médico, psicológico e social que corresponda às suas necessidades e ajude-as na superação do trauma vivido.
O Consórcio se coloca firmemente contra todas as formas de violência e seguirá defendendo a dignidade e os direitos das mulheres e a Lei Maria da Penha até que nenhuma mulher mais seja vítima da violência baseada no gênero.
Nós acreditamos na fala das mulheres!
Brasília, 20 de dezembro de 2018.
Consórcio Lei Maria da Penha pelo Enfrentamento a Todas as Formas de Violência de Gênero contra as Mulheres.