Quando se instala o caos em situações de desastre e emergência, fica muito difícil uma gestão eficaz do caos, muitas vezes porque no Brasil não tem uma cultura preventiva e planejada para evitar e/ou lidar com essas situações. Nas enchentes do Rio de Janeiro, trabalhamos como voluntário(a) e tivemos a experiência do caos instituído onde o próprio governo do Estado enviava assessores de diferentes secretarias que se atropelavam nas diretrizes e também por conta da emocionalidade. Nestas ocasiões de sofrimento coletivo, é comum surgir na população ações de solidariedade, mas se a gestão da crise não estiver devidamente preparada para lidar com as situações inesperadas e o acúmulo de diferentes demandas, pode ocorrer um caos nas diretrizes, agravado pela emocionalidade das pessoas envolvidas.
Diferentemente, em Santa Maria no Rio Grande do Sul, por ocasião do incêndio onde morreram mais de 200 jovens, tivemos a oportunidade de participar do grupo de gestores, liderado pela equipe de médicos sem fronteiras. Foram criados diversos grupos de trabalho como as profissionais para dar suporte às famílias nos velórios, outras para acompanhar os enterros, outras nos hospitais, outras para dar suporte aos cuidadores. Ficamos responsáveis por este grupo, ocasião em que preparamos as psicólogas neste tipo de atendimento, prestamos assistência às enfermeiras da UTI de um hospital, aos policiais que identificaram os corpos, etc. Todas as manhãs havia uma reunião com a equipe para planejar as atividades do dia. No final do dia outra reunião de avaliação. Ficamos responsáveis pelo grupo de psicólogas(os) com a incumbência de dar suporte às pessoas cuidadoras, como enfermeiras(o), policiais, socorristas. Mais de 100 psicólogas(os) de diferentes estados do Brasil. Tomamos a decisão de formar um grupo de psicólogas(os) de Santa Maria porque é comum nas catástrofes aparecer muitas pessoas para trabalhar como voluntárias(os) na primeira semana, mas aos poucos vão indo embora e corre-se o risco da comunidade ficar sem um programa de preparação e continuidade no pós-evento, momento difícil e de muito sofrimento pelas perdas ocorridas.
Quando acontece uma tragédia natural e/ou provocada pelas pessoas, a exemplo da pandemia que estamos vivendo, o nível de sofrimento ocorre durante e depois do acontecimento traumático. As pessoas precisam de um tempo para processar, elaborar, ressignificar o evento e a própria vida. Alguns aspectos são importantes e precisam ser considerados, como forma de contribuir com a saúde mental das pessoas.
– Suporte emocional durante e após o evento, com um espaço da fala para expressão dos medos, tristeza, raiva, culpa e outros sentimentos desencadeados no processo.
– Redes afetivas em que as pessoas sintam que contam com o apoio interpessoal e grupal, seja de amigas, familiares, colegas de trabalho, etc.
– Rituais de passagem, culturais, ecumênicos que brotam de iniciativas da própria comunidade, como meditação, orações, poesia, homenagens póstumas, entre outros.
Nosso próximo boletim trará como exemplo, a narrativa na cidade de Santa Maria.
Grace Wanderley de Barros Correia e Jayme Panerai Alves